quarta-feira, 18 de março de 2015

DINHEIRO NÃO É TUDO

Dinheiro é importante; mas não é tudo


Minha família hoje está numa situação confortável, mas já passamos por maus bocados. Eu sei que era muito pequena para me lembrar dos detalhes, mas me recordo da sensação de querer muito algo e não entender por quê eu não podia ter (ou por que as crianças tinham e eu não). Mas acho que isso é normal, enquanto somos crianças, de possuir esse desejo consumista que ainda não temos controle e de acabarmos sendo vítimas de publicidade infantil.

Porém, conforme os anos se passaram e eu cheguei na minha adolescência, a situação financeira dos meus pais mudou drasticamente. Tínhamos dois carros, uma casa própria quitada, internet paga e eu tinha um computador pessoal (na época, um Windows 98 que eu demorei uns 10 anos para me desapegar e ter um XP) - enfim, uma vida confortável.

Como minha mãe é professora e sempre prezou pela educação, com muito esforço ela me colocou numa escola particular. E assim estudei em escolas particulares até o ensino médio. Fui realmente privilegiada por ter a oportunidade e a condição financeira de ter acesso ao ensino de qualidade que me garantiu uma vaga numa universidade pública.

Mas, por outro lado, essa mudança - de uma escola pública para uma particular - foi a que começou a me confundir em relação ao dinheiro. Era difícil para mim compreender que eu tinha um poder de compra muito superior aos meus colegas da escola pública, mas um extremamente inferior aos colegas da escola particular.

Enquanto os meus colegas passeavam com seus pais com os carros do ano, ar condicionado, direção hidráulica, eu andava com minha mãe num gol 1.0, bolinha, sem direção (que a rende dores nos braços até hoje), sem grandes confortos. Nas férias, eu ía para a Praia Grande, em Santos, numa colônia de férias em que tínhamos que cozinhar nossa própria comida. Meus amigos? Bom, faziam viagens internacionais, para o Nordeste (hype na época), viagens de avião (eu só fui viajar pela primeira vez de avião aos 19 anos). 

Eu não tinha celulares modernos, fichários e cadernos da moda - para falar a verdade, o único celular da moda que eu já tive é o que eu tenho hoje: um MOTO G. O antigo ainda. Era difícil olhar para os meus colegas e recusar convites para ir jantar e passear em lugares caros que eu nem tinha coragem de pedir dinheiro para minha mãe. Acho que até hoje devo dinheiro para uma amiga que pagou o resto da minha parte numa pizzaria quanto eu tinha 14 anos. Eu tinha 20 reais, a conta ficou em 40. Se você estiver lendo isso, desculpe Ysis, na próxima eu te pago.

Eu cresci com vergonha de pedir e exigir essas coisas dos meus pais, por mais que no fundo eu realmente tivesse uma enorme vontade de tê-las. Então eu suprimia o desejo consumista e pensava “quando eu tiver um emprego, vou me comprar essas coisas”. Você pode até achar altruísta eu não ter sido uma garotinha mimada que não tinha coragem de colocar seus desejos de consumo, mas de certa maneira isso me fez quebrar todos os valores a respeito do dinheiro que meus pais haviam me ensinado.

Durante a faculdade, morei em outra cidade, 200km longe dos meus pais. Eram eles que me enviavam uma quantia de dinheiro mensal, suficiente para despesas, e eu completava com bolsas de estágios e de projetos de extensão. Por conta da liberdade de estar longe do controle dos pais, de ter um cartão de crédito próprio e todos os desejos consumistas suprimidos, mais de uma vez eu perdi o controle e fiquei devendo horrores no cheque especial. Baita perrengue.

Quando terminei a faculdade, mais do que trabalhar na área, eu queria era ganhar dinheiro. Antes mesmo de olhar a experiência, o cargo, o local de trabalho, eu olhava o salário. Por conta disso, acabei indo trabalhar ligeiramente fora da minha área de atuação, numa grande empresa multinacional. O salário alto era uma realização, um tapa na cara da sociedade e dos meus colegas que ganhavam, pelo menos, metade do que eu, já que estávamos todos em começo de carreira.
Não durou muito. A atividade era maçante e eu me sentia castrada ali dentro. Eu não era paga para pensar ou para me destacar, era paga para executar ações automáticas. Logo desanimei, um erro e outro ali, acabei desafiando meu chefe e como resultado, é claro, fui demitida.

A humilhação de ser demitida por si só já é difícil, mas para mim foi mais a fundo: perdi minha fortuna mensal. Perdi meu poder de compra. Meus sonhos de consumo, minhas futuras compras, minha pós graduação, tudo pelo ralo. Foi a minha primeira vez que a vida me ensinou que dinheiro não é tudo. Não importa os dígitos do seu salário, se você não faz o que você gosta ou não trabalha em algo que consuma tudo que você é capaz, você vai se deprimir. E pior, por conta do dinheiro, você não vai querer desistir. Talvez se eu não tivesse sido demitida, eu ainda estaria naquele emprego, infeliz e acreditando que empregos são assim mesmo, não são para se gostar. E que a vida é injusta, a gente faz faculdade e não consegue uma boa oportunidade. Poxa, mas que país ingrato! (por favor, notem a ironia desta última frase).

Contentei-me em seguida a receber um salário mísero somente para pagar as contas. Era um trabalho pior ainda, beirava o telemarketing. Passei a respeitar muito mais essa categoria de profissionais, sei bem o que eles passam e o salário que recebem. Também não durou muito. A falta de dinheiro e o trabalho ruim, me renderam um pedido de demissão antes mesmo de acabar o contrato de experiência.

Por sorte, outras duas empresas haviam me chamado na mesma semana. Uma escola de inglês (para ser professora) e uma empresa privada (para trabalhar na minha área de formação). Como os horários não eram concomitantes, aceitei as duas. Meu$ olhinho$ brilharam novamente com o dinheiro.

No primeiro mês, fiquei super feliz. Depois de semanas de angústia por ter gastado muito no cartão de crédito, vi que meu salário era suficiente para aguentar umas extravagâncias. E ainda sobrava um pouquinho. Mas, dessa vez - afinal, aprendi minha lição sobre controle financeiro com os empregos anteriores - ajeitei minha vida financeira primeiro. Paguei tudo, gastei pouco, parei de gastar horrores no cartão de crédito. Evitei gastos supérfluos e consegui comprar umas coisinhas (roupas novas, óculos novos, alguns itens eletrônicos, livros) sem ficar com dívidas.

Eu trabalhava das 7 horas da manhã às 21 horas, mas o pensamento reconfortante do salário no final do mês me fazia passar por essa pesada rotina quase que anestesiada.
Até que parou de ser suficiente. Por diversos momentos do dia, eu parei para pensar se valia mesmo a pena tudo que eu estava fazendo. Perdendo momentos com a família, deixando de curtir meu dia, deixando de lado meus hobbies favoritos.
E o dinheiro? E todos aqueles desejos suprimidos desde a infância, a vontade de se equiparar aos colegas classe A da escola particular?

Puf.

Eu percebi que minha vida vai além do dinheiro. Eu quero poder sentar e apreciar um bom livro. Eu quero poder dar atenção aos meus gatinhos, ter pique para brincar com eles. Ficar com meus pais, ter energia para aguentar os dramas familiares sem surtar. Ter tempo de dar uma fugidinha de final de semana para a praia, uma loucurinha de vez em quando. Estar bem disposta aos finais de semana para prestar as obrigações familiares com as avós idosas. Não ficar o dia todo pensando em dormir e como minha cama é boa.

Dessa vez, sem movimentos bruscos, a vida me ensinou pela segunda vez que dinheiro não é tudo. Que a minha ganância por ter dois salários está consumindo minha juventude. Ganhar bem é legal, ter um carro melhor também. Mas nada paga a nossa liberdade. O nosso pensamento. O nosso bem-estar. Os nossos sonhos. E eu prezo muito pela liberdade e pela realização de sonhos, brigo por isso quase sempre. E talvez seja isso mesmo que me faça diferente dos meus colegas - não a condição financeira, mas saber onde devo colocar minha energia para viver feliz.

Não adianta você virar um zumbi trabalhando porque precisa manter um padrão de vida - que, por vezes, você nem sabe por quê precisa ter. Aprenda a gastar menos e a viver com menos, mas tenha suas horinhas na semana para fazer algo que faça sua vida valer a pena. Para que com 40 ou 50 anos, você não desperte numa crise de meia idade e se depare com a pobreza que é somente ter dinheiro.

Não é errado você trabalhar muito em busca de um sonho - uma empresa própria, talvez. Mas faça com objetivo. Saiba exatamente por que você está dormindo pouco e vivendo menos ainda. No final, sua realização, pode perguntar a qualquer dono de empresa, será ter construído aquilo com seu suor, ter sido capaz de criar algo do nada e fazer funcionar - poucos dirão que sua realização pessoal foi faturar tantos $$ num mês.

Preencha sua vida com você, com quem você ama e fazendo que você gosta e o dinheiro será uma consequência da sua felicidade e não a causa.

Hoje eu posso dizer que estou satisfeita e feliz em ganhar o que eu ganho em apenas um emprego. Tenho tempo para curtir, desestressar e me dedicar à projetos pessoais (pequenos sonhos construídos na infância). O dinheiro extra faz falta às vezes quando tenho certas vontades, mas nunca fico frustrada por isso. Sei que preciso ter paciência para conquistar certas coisas (uma casa, talvez) e outras… bem, elas não me fazem tanta falta.

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